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Aos Novos Cariocas

O garotinho se encantou com aquele troço de ferro grandão onde dava para brincar e se balançar. Descobriu que o autor da escultura cinética exposta perto da casa dele era um xará, o artista plástico Raul Mourão, e não teve dúvida: chamou os vizinhos e os colegas da escola para curtir também. E contou a todo mundo que aquele Raul ao lado da palavra ‘autor’, na plaquinha, era ele.

Outro moleque da mesma idade, uns dez anos, se enturmou com uns caras mais velhos e pegou uma pilha de DVDs Piratão para vender por dois reais a quem passasse. Ao entrar de brincadeira na instalação do coletivo Filé de Peixe, a criança da favela também estava inserindo obras exclusivas de videoarte na dinâmica informal dos camelôs.

O Travessias chega à sua segunda edição com o objetivo cada vez mais consolidado: expor arte contemporânea de alta qualidade na favela, para promover encontros em vários níveis. A mensagem é que a cidade precisa encontrar a Maré. A população precisa se encontrar com a arte contemporânea. O carioca precisa encontrar outros cariocas. E vice-versa para as três situações.

O momento de transformação do Rio de Janeiro mexeu com o direito de ir e vir. Cada vez mais gente circula sem medo por aí. Ou, como diz um dos fundadores do Observatório de Favelas, Jaílson de Souza e Silva, “a cidade tem novos donos: mais gente se apropria da cidade”. É o novo carioca. O Travessias é para ele.

A curadoria de Raul Mourão e Felipe Scovino quer causar impacto. Não é uma seleção de obras fechada em conceitos. Segundo a coordenadora de produção Luíza Mello: “é uma exposição para o público. Achando bonito ou feio, a ideia é que as pessoas se divirtam”.

Uma das novidades este ano é o aumento do módulo educativo. A primeira semana de exposição será dedicada a professores e líderes de projetos sociais, para estimular as discussões nas turmas antes e depois da visita ao Galpão Bela Maré. Uma parceria com a empresa de transporte 1001 vai ajudar grupos inscritos no site a chegar até lá. Agora, claro, a partir do dia 13 de abril todo mundo pode ir. Aliás, é para ir geral. E mesmo os desavisados que passarem na porta sem entender nada podem ser fisgados: “o estranhamento é recorrente, muita gente fica olhando e só entra depois de um convite. Aí, voltam e trazem família, amigos, etc” – conta a coordenadora educacional Janis Clemen, responsável pela equipe que prepara e recebe os visitantes.

São eles, os visitantes, a maior motivação do Travessias. Arte pode inspirar. Pode abrir janelas que a rotina emperra. Pode, enfim, criar pensamento crítico. Justamente uma das metas do Observatório de Favelas: “o artista ajuda a pensar em novas formas de viver. A arte não tem propósito prático, então ela faz com que se vá além do cotidiano e se saia do aqui e agora”, diz Jaílson de Souza e Silva.

Isso é educar também, é dar liberdade para que cada um pense em um caminho sem medo, sem preconceito, nem preso ao que o presente exige: “as pessoas na favela não apostam em projetos de longo prazo, o maior exemplo disso é a evasão escolar. Não se percebe o ganho de investir em educação. A perspectiva da arte, então, é criar alternativas” – diz Jaílson. As dificuldades existem, mas sonhar pode funcionar.

A meta do Travessias é crescer: conquistar o público da Maré, da Avenida Brasil e de toda a cidade. Colocar o Galpão Bela Maré no mapa. Expor mais gente da região, convidar nomes de outras periferias do Brasil e artistas internacionais. Agora, cá entre nós, se mais garotinhos como os da primeira edição, em 2011, continuarem a tirar onda com os coleguinhas ao se apropriar de arte contemporânea, já vai ser muito bom. Os novíssimos cariocas já serão diferentes.