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CARLOS_VERGARA

Travessias 2013 – Os Sustos da Arte

Um olhar desavisado poderia achar que é só uma exposição de arte contemporânea, mas se tem uma coisa que um olhar não pode ser é desavisado. Os dez artistas reunidos à beira da Avenida Brasil para o Travessias 2013 querem muito mais do que expor trabalhos. O objetivo deles é fazer história, mudar o contexto do Rio de Janeiro. Em outras palavras, fazer o olhar dos cariocas ficar diferente: mais atento, mais esperto e mais integrado.

O Travessias 2013 é um evento para mexer com a cidade. E para começar, dez nomes poderosos da arte brasileira estão juntos para influenciar a relação das pessoas com um território fundamental do Rio – a zona norte à beira da Avenida Brasil. Um lugar de chegada, de passagem e principalmente de histórias de vida. O time escolhido pela curadoria de Raul Mourão e Felipe Scovino é forte: vai desde um senhor gaúcho de setenta e três anos que já foi operário da Petrobras até um jovem fotógrafo de vinte e nove que levou imagens da Maré para Londres, durante as Olimpíadas. Passando, claro, por nomes reconhecidos em qualquer parte do mundo.
Para Raul Mourão, a ambição é “transformar arte em cultura, ou seja, influenciar a dinâmica urbana da Avenida Brasil”. Felipe Scovino pensa afinado: “a arte tem que fazer o homem conhecer o seu entorno para a cidade ficar mais democrática.”. A missão da curadoria da dupla é que o Rio seja referência na arte contemporânea internacional, e isso passa pelo poder do Travessias de mudar o contexto daquela região. Para começar, a receita é encontrar-se.

Daniel Senise
tem 56 anos e é carioca. É um dos artistas engajados na transformação proposta pelo Travessias. Uma obra dele abre a exposição: maquetes de museus do mundo para serem observadas através de olhos mágicos na parede. “Eu comecei a ver arte por livros. E pensei em fazer uma analogia a isso. Criar a sensação de um espaço onde tem arte, que é uma forma de pensar na vida de maneira mais complexa”.
Uma das maquetes será do próprio espaço da Maré. É um jeito de dizer que assim como o museu de arte moderna de Nova Iorque ou o Louvre, em Paris, ali também vai ser possível saciar a curiosidade de olhar e se emocionar. Criada especificamente para o Travessias, a obra é para os otimistas por mudanças, principalmente nas favelas: “As pessoas vão melhorando de vida, trocam a madeira por tijolo, constroem na laje. E agora têm pessoas jovens que tão tentando fazer alguma coisa da vida”.
Ratão Diniz é fotógrafo documentarista, não acha que faça arte contemporânea e foi escolhido como um dos artistas do Travessias. Aliás, é o caçula, 29 anos, e mora na Maré. Se formou na Escola de Fotógrafos Populares, um dos projetos do Observatório de Favelas. “Quis ser fotógrafo para registrar a minha própria infância, a partir do que ainda existia, como a Folia de Reis ou as brincadeiras na rua sob o olhar carinhoso das vizinhas, quando a mãe tá no trabalho”.
Carlos Vergara é gaúcho, tem 73 anos, visitou o Travessias de 2011 e achou “muito legal”. Dessa vez, foi convidado a participar. Vai expor três telas de grandes dimensões. No olhar do curador Felipe, “são telhados e pisos que formam uma associação à casa, um símbolo muito caro à ideia de cidadão”. Já no olhar de Vergara, “supostamente, um telhado te cobre e cobre a visão. E eu estou invertendo e fazendo um telhado que abre a visão”.
Como se pode perceber, o convite é para que cada um forme a própria explicação do que está vendo. “O trabalho do artista se desenvolve olhando para fora e para dentro, para fora e para dentro. É mostrar o invisível do visível, a função da arte é revelar”. Portanto, quem for achando que vai ver simples telhados, pode se surpreender. “O que é interessante lá é que vão ter coisas que as pessoas vão gostar e que não vão gostar. Tem gente que não vai gostar do meu trabalho: ótimo. Vai ter uma obra do lado pra ela gostar”.
Pois é, porque tem ainda o Vik Muniz (paulista, 51 anos), o Marcelo Silveira (também 51 anos, pernambucano), a Luiza Baldan (carioca, 32), o Lucas Bambozzi (paulista, 48), o Ernesto Neto (carioca, 49), o Cadu (paulista, 35) e o Arjan Martiz (carioca, 53). Vídeo, fotografia, escultura, pintura, desenho, instalação… diferentes artistas, de gerações e trabalhos variados.
Quando se fala em transformação do Rio, pensa-se logo em UPPs abrindo espaços para a livre circulação de pessoas; em obras de metrô, BRT e ciclovias fazendo fluir o trânsito; e em oportunidades de emprego garantindo mobilidade social. A carta de intenções do Travessias avisa, cariocamente: a arte faz parte dessa parada aí.
O contexto é histórico. Voltando ao curador Raul: “O Travessias é uma etapa na construção de um centro de arte na Maré. Estamos criando um lugar”. O galpão onde funcionava uma fábrica de embalagens de papel tem tudo para se tornar um centro de arte de excelência, o Galpão Bela Maré: “que vem para fazer parte de um circuito que tem a Casa Daros, o Museu de Arte do Rio, além do MAC de Niterói e do MAM.” Falta receber a movimentação desorganizada que está na cidade, à procura de lugares de encontro, para o carioca se olhar com reflexão.
Uma das estratégias para isso é uma biblioteca no meio da exposição, já com doações de editoras de arte como a Cobogó, a Cosac Naify e o Instituto Moreira Salles. Raul: “A exposição vai passar, mas a biblioteca vai ficar”.
Quando se fala nos eventos que estão acelerando as mudanças no Rio – Copa do Mundo e Olimpíadas – uma preocupação é o legado disso. Pois o Travessias 2013 também tem um legado, e não é só a biblioteca. Trata-se de incentivar as pessoas a olhar diferente. A criar gosto pela arte contemporânea, um gosto que certamente não é fácil. Ou como defende o artista Vergara: “Arte não é para explicar, é para aprender de chofre. Não depende de cultura e não depende de época. Arte serve para dar um susto, porque atinge uma coisa interna inexplicável. Mas faz pensar: os sustos provocam novos significados”.
Está dito: o impacto da arte vem em sustos, e é assim que vêm as novidades. Que os sustos dos artistas do Travessias transformem, então, quem passar pelo Galpão Bela Maré, e que a cidade mude para melhor com isso. Boa exposição para todo mundo.